A barbearia azul
Se tivéssemos dúvidas sobre o sítio onde estávamos, a Barbearia colada à Avenida dos Aliados, ali na curva para a Rua da Fábrica, não deixa margem para a interrogação: a ‘Barbearia Porto’ tem um reclame azul e branco. As pretensões clubísticas não se ficam à porta, os espelhos dos clientes alternam-se nesta mesma cor. Tudo obra do Sr. Marinho que começou a pensar no novo design desde que tomou conta do espaço há 30 anos atrás. “Pus espelhos novos, tirei a porta de madeira e pus uma de inox”, lembra. Ele gosta mais assim. Aproveitou e renovou os móveis antigos para caixas de fórmica. Assim a ele parece-lhe que está mais ‘moderna’.
A ‘Porto’ apareceu-lhe na vida quando o patrão o foi buscar a uma barbearia à Batalha. “Nessa altura, com 14 anos já éramos ajudantes num ofício, vínhamos das aldeias e depois íamos aproximando-nos das cidades. Quem fosse bom, era chamado para as barbearias do centro”.
O Sr. Marinho não está arrependido do caminho que escolheu para a sua vida, nem se culpa por ter ficado com a barbearia no ‘coração da cidade’ mas esse centro cada vez mais lhe parece um buraco no final do mês, “Desde 2002/3 com as obras isto acabou. Os clientes já não têm sítio para pôr os carros na rua, e fazem contas ao dinheiro do parque, e pronto cortam noutro sítio”. Já foram 7 pessoas a trabalhar no rectângulo antes do 25 de Abril, depois passaram a seis, incluindo uma manicura. “Mas a gente pagava-lhe 14 meses e ela trabalhava seis, foi embora. E agora as pessoas já não são vaidosas, não vão ao teatro arranjadinhos, com o cabelo e a barba aparada, unhas limadas”, afirma o dono da barbearia Porto. Agora os seus antigos clientes, jornalistas, bancários, actores, rareiam mas a maioria que se senta nas cadeiras vermelhas não conhece o nome do barbeiro e pede a nulidade da profissão: um cabelo rapado. “Também temos alguns que pedem coisas esquisitas como cortar dos lados e fazer a crista. Eu não gosto mas o cliente pede e a gente faz”.
Nestas manhãs de sol e frio o Inverno levanta barreiras para quem vem do sul. Espessos e sombrios, os bancos de nevoeiro ao longo dos vales são muralhas que pedem respeito. Abrandamos, subitamente perdidos no grande branco, numa paisagem de formas frágeis que nos agarra. O nosso caminho fica mais distante, o Porto quase inatingível. A última fronteira ergue-se sobre o rio Douro, num nevoeiro denso que faz desaparecer a ponte, mistura céu e terra, cria a passagem para a revelação mágica do sol da cidade.
Na Rua de Santa Catarina, duas pombras encontraram refúgio sob as asas da águia.