Domingo, 30 de Novembro de 2008
Segredos bem guardados pelo artista que um dia foi assobiado
Francisco Pereira não gosta muito de falar dele, muito menos dos seus clientes, embora lhes tenha o nome na ponta da língua. Mas isso não é coisa que se conte a um estranho. É barbeiro sim senhor, tem o tique de massajar o indicador da mão esquerda com o mesmo dedo da mão esquerda, como se estivesse sempre a afiar uma navalha na pele. Como não quer falar, aponta para os recortes de imprensa, encostados a um canto de honra, onde também estão as suas taças de primeiro, segundos e terceiros prémios conseguidos até aos anos 80. Não se furta é a recitar a história dos barbeiros. “A nossa história é muito comprida. Éramos médicos, barbeiros, conselheiros do Rei, sangrávamos pessoas, éramos informadores, era cá um serrote…” Mas essa é a história de todos, que vem nos livros. A desta barbearia da Garagem Passos Manuel, é mais caixinha de segredos. Insistimos nos recortes.
A preto e branco, o “Comércio do Porto” reparou em Francisco Pereira porque ele cortava o cabelo e fazia a barba a muitos dos políticos nacionais. “Nos anos oitenta, diziam-se os nomes das pessoas, elas ainda gostavam de tomar posições sobre as coisas e vir ao barbeiro era sinal de prestígio. Mas não repita os nomes que aí estão”. Muitos deles já morreram, e Francisco Pereira zela pela memória dos seus clientes. “Agora não digo os nomes, os tempos são outros.” Não há rancor na sua voz quando fala do presente, mas os homens de antigamente parecem-lhe o melhor de qualquer povo. “Antes vinha o pai, e deixava dinheiro para o filho vir cá cortar o cabelo. Agora os pais não deixam dinheiro para os filhos e eles vão a outros lados. Os velhos agora não se misturam com os novos, cada um para o seu lado.”
A barbearia da garagem já viu muitas estrelas que pisavam os palcos do Coliseu, a entrarem porta dentro antes da performance. Vinham pelo boca a boca que informavam ser este o barbeiro ideal, a custo arranca-se o nome de um cantor “O Sr. Calvário quando vinha ao Norte, vinha sempre aqui.”. E muitos anónimos acompanhados de fotos de revistas a pedirem cortes parecidos com estrelas de cinema e cantores. Agora pedem imitações de corte de jogadores de futebol, que ele faz quando é preciso. “Barbas deixou de se fazer, falou-se muito da sida e as pessoas começaram a fazê-la em casa”, sentencia.
Francisco Pereira não tem medo de nenhum modelo. Nos inícios dos anos 80, ainda Portugal não dava os primeiros passos nas novidades do punk, o Casino Solverde espalhou passadeira vermelha para um manequim masculino que de calça de ganga justa e blusa havaiana apertada, que trazia um cabelo negro trabalhado em ondas com desenhos verdes estampados. Foi uma plateia ruidosa de profissionais do métieur que assobiou insistentemente o corte moderno de Francisco Pereira. Desde essa década que ele deixou de passear pelo país em festivais de corte de cabelo, onde arrecadou prémios importantes. “Ainda não sei se foi bom ou mau, eu ter andado nessa vida. A mostrar a minha obra a colegas de profissão… E a mulher não gostava. Saía na sexta de manhã e regressava aos domingos às 3 da manhã. Acabei com isso”.
A barbearia da garagem não contou sempre a história deste homem, elas só se unem nos anos 70, e o quadrado enfiado na garagem existe desde 1937. O tempo foi deixando marcas, as portas foram trocadas da madeira para o alumínio, o tecto deixou de ter a clarabóia com vidros coloridos e passou a contraplacado, mas nunca fechou portas aos clientes. Francisco Pereira é que decidiu deixá-la na altura da revolução de 74. “Houve muitas confusões e eu queria fazer a minha vida”, diz. Mudou-se para a vizinha rua de Santa Catarina e regressou de vez à Garagem nos anos 80, agora com direito a levar a chave para casa.
Desde então, levanta-se às 6:oo e abre as portas às 8h00, para atender quem se lembra que está com guedelhas fartas, mas admite que agora são quase todos por marcação. Às vezes sai de mala na mão e vai ter com eles. “Ainda este domingo fui a casa de um cliente muito antigo. Está doente e pediu-me para lhe ir arranjar o cabelo. Fiz o melhor que pude com ele deitado na cama. Depois foi despedir-se de mim ao portão, abraçou-me como se fosse a última vez. Cheguei a casa e tive de tomar uma pastilha Ainda hoje me lembro disso.”
Numa vitrina guarda os presentes que lhe foram dando ao longo dos anos e que são o seu pequeno museu: navalhas, tesouras curvas para fazer as coroas dos padres, aspersores cromados, fixador, brilhantina. Tudo coisas do passado que ele guardou em caixinhas de memórias. “As coisas que cá estão falam por si”. Foi preciso aparecer uma amiga para nos falar de algo que ele ainda se orgulha no presente: o grau de ‘Effective Speaking and Human Relations’, que lhe foi concedido em 1988, pela Carnegie Associate. Hoje um consultora americana de recursos humanos, mas que na sua fundação teve Dale Carnegie. Sim, o dos livros "Como fazer Amigos e Influenciar Pessoas" e "Como Evitar Preocupações e Começar a Viver”. Toda uma arte de como se sabe. E perante a elegia da amiga Francisco Pereira só sorriu. Da sua boca não saiu nada.
Texto de Carla Miranda
Terça-feira, 18 de Novembro de 2008
Segunda-feira, 17 de Novembro de 2008
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Domingo, 16 de Novembro de 2008
Nesta coisa de “Porto vs Lisboa” há coisas em que ficamos mesmo a perder. Reparem no que é uma central de camionagem na capital, junto à Gare do Oriente, servida por metro , e o que é, no centro do Porto, o miserável Parque das Camélias. Deve ser isto que chamam “um país dois sistemas”.
Parque das Camélias
Gare do Oriente
Parque das Camélias
Gare do Oriente
Terça-feira, 11 de Novembro de 2008
Hoje fui de automóvel para almoçar na baixa. Na rua do Almada, mesmo nas trazeiras da Trindade encontrei três lugares de estacionamento. Na hora de almoço, no centro da cidade, três lugares vazios. Umas tripas depois, passadas duas horas, ainda havia espaços disponíveis. Estacionei, mas não gostei.
Quinta-feira, 6 de Novembro de 2008
Esta é uma luta séria, mas divertida. No campo de um livro, tendo como armas as palavras, dois Antónios, Eça de Queiroz e Costa Santos, entregam-se a um duelo na defesa da sua causa. O primeiro é incorrigivelmente tripeiro, o segundo é um fresco alfacinha, os dois, em pequenos textos galantes apresentam o que de melhor, de mais característico, tem o Porto e Lisboa.
O Douro contra o Tejo, francesinhas a gladiarem-se com pipis, SLB vs FCP, Majestic em disputa com a Brasileira, Duarte Pacheco às turras com Edgar Cardoso, São João à bulha com Santo António… uma batalha épica, um confronto de titãs. O livro vale a pena não só porque as causas são justas, mas porque é escrito com uma ironia elegante e e evoca histórias bem vivas, que merecem ser recontadas.
Eu por mim já decidi o vencedor. Até tenho de concordar com o adversário, com António Costa Santos: “A questão é essa: a gente [os lisboetas] esquece-se, ao contrário do que se passa no Porto. Diria até que, se Lisboa, por absurdo, pudesse invejar alguma coisa ao Porto, era isso: eles são bairristas a full time, a vida toda e mais seis meses. Ora isso até pode ser positivo para a saúde mental dos indivíduos: o ser humano precisa de causas, a vida tem de ter um sentido."