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Quantas vezes passamos à porta da Igreja da Trindade (sim, essa nas traseiras dos Paços do Concelho) sem nos darmos ao exercício de ver o que há lá dentroo?. Ontem à noite, quem cometesse essa ousadia, havia de deparar com Cristo e toda a galeria de personagens que o acompanharam nos seus últimos dias. Pela mão de Germano Silva e com a bênção do bispo do Porto, o Rancho Folclórico da cidade levou à cena um Auto da Páscoa, dando vida aos personagens que as homilias evocam.
Por trás de uma porta, muitas outras portas. Não é uma casa, são muitas, são as “ilhas” do Porto. Ainda subsistem em número significativo, espalhadas pela cidade, restos de uma lógica de “prédios na horizontal”, com que muitos burgueses encontraram maneira de rentabilizar os seus terrenos, e muitos industriais encontraram maneira de alojar o operariado, que afluiu à cidade no final do século XIX. Não é de admirar. Segundo leio na wikipédia, citando um estudo da C.M. do Porto, em 1939, “havia na cidade 1.152 ilhas, abrigando 45.291 habitantes, ou seja, 17% da sua população total!”
A vida de porta aberta, as solidariedades que transitam no corredor comunitário, não chega para perceber o encanto com que alguns encaram as “ilhas”. Podem ser castiças, locais únicos de vivências populares, últimos exemplares de uma certa vivência da cidade, mas isso não nos pode fazer esquecer a falta de condições de vida que elas significam. Experimentem entrar numa porta e tentem decifrar a geografia humana que é preciso ensaiar, para criar uma família no espaço de uma cozinha, uma sala e um quarto. A casa de banho é lá fora. Uma idosa mostrou-me uma. Mesmo vazia parecia insuportável minúscula. “Criaram aqui três filhos e dois deles só saíram para casar”.
Germano Silva levou umas dezenas de pessoas num passeio, rua de S. Vítor abaixo, à descoberta das numerosas ilhas e de um bairro que ainda vive com o Douro ao fundo. Abriram-se as portas, as janelas, para saírem as gentes que vamos esquecendo.
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O fogo do Dragão voltou a aquecer milhares de vontades anónimas. Foi linda a festa pá! DPontes