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Aqui fica um comentário, a propósito do Bolhão, que me parece merecer, com a devida vénia, vir cá para a frente:
"De Luís Sarmento a 22 de Janeiro de 2008 às 09:21
(Rua Faria Guimarães) DPontes
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Um dia, os nossos netos vão olhar para as velhas fotografias em papel do mercado do Bolhão e, com o mesmo sentimento com que nós hoje contemplamos as imagens do desaparecido Palácio de Cristal, vão perguntar: “Como é que vocês deixaram que isto desaparecesse?”. Talvez na altura consigamos avançar com o já velho pretexto do “progresso”, ou nos escudemos na “cegueira dos homens”. Mas hoje, na semana de Alcochete, da obra trilionária, das pessoas que enchem a boca com “cidades aeroportuárias” e “novas travessias”, custa muito articular alguma coisa que justifique a forma como nos preparamos para deixar morrer parte da alma da segunda cidade do país.
É óbvio que o mercado do Bolhão necessita de obras e que a autarquia não dispõe de recursos ilimitados. Mas será que a única solução é mais um centro comercial, mais um supermercado e mais um parque de estacionamento? Porque, não tenhamos dúvidas, o que está em cima da mesa para o Bolhão é, como escreveu neste jornal o arquitecto Correia Fernandes, “mais do mesmo”, um espaço onde os actuais comerciantes, os que sobreviverem ao período de obras, terão um mero papel decorativo.
Uma autarquia que inscreve, e bem, como uma das suas prioridades recuperar habitantes para o centro da cidade deveria fazer da manutenção do Bolhão, com as suas actuais características, uma bandeira.
Desde o tempo de Fernando Gomes que faltam imaginação, uma gestão profissional e novos comerciantes que ajudem a inverter o ciclo de decadência a que o mercado está votado. Mas se olharmos para o exemplo de outras grandes cidades europeias, que mantêm os seus mercados de frescos, podemos perceber que entregar à especulação imobiliária não é a única solução possível para preservar uma jóia arquitectónica e um repositório de vida em comunidade como é o Bolhão.
Talvez isto seja uma causa perdida. Talvez já não exista gente com suficiente amor à cidade e as elites portuenses estejam extintas. Talvez quase todos acreditem, erradamente, que os centros comerciais são sinónimo de desenvolvimento e as vendedoras de hortaliça figuras anacrónicas. Mas talvez ainda exista um punhado gente com vergonha de ter um dia de confessar aos seus netos que deixou morrer o Bolhão sem levantar voz. Talvez...
(Texto publicado no JN, em 13 de Janeiro de 2008) DPontes
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(Rua António Granjo) DPontes
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“Industrial de balanças. Gosto mais que me chamem industrial. Dantes, dizia-se que era um industrial, era um comerciante, era um agricultor. Sabia-se do que estávamos a falar. Agora, empresário não quer dizer nada, pode ser tudo e pode ser nada. Quem passa um recibo verde é um empresário, mas são mais empregados do que patrões. Gosto de manter o nome ‘industrial’. É pequenino, mas é o que é.”
José Teixeira mantém-se patrão, na empresa com um só trabalhador, ele, e um só produto: balanças. A sua oficina vem directamente desse “dantes”, com menos confusão nos ofícios, sem electrónica, em que uma balança, esse instrumento de precisão, era um objecto de ferro fundido, sólido, para durar uma vida inteira. Exactamente iguais ao que ele continua a fazer hoje, na Rua de Serralves, no Porto, nas traseiras do Hotel Ipanema Park.
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A cidade à volta alterou-se, mas a oficina das “Balanças IBÊ”, permanece praticamente igual àquela que o avô António Teixeira decidiu abrir no ano de guerra de 1942. “O meu avô trabalhava na Fábrica Portuense de Balanças, na Rua do Loureiro, mas na altura havia crise e ele montou a fábrica para fazer umas reparações. Acabou por decidir fabricar ele mesmo as balanças”, relata José Teixeira.
O desenho das balanças, com os seus fiéis levemente em forma de pássaro (há quem os tenha crismado de “patos”), foi o seu avô que o trouxe, há 65 anos. O mesmo com que o seu pai fabricou balanças até lhe entregar o negócio. Há ferro fundido em Crestuma para amaciar, tirar-lhe as rebarbas. É preciso cortar as travessas para depois serem cravadas, encaixar o braço, as forquetas, tirantes, “navalhas” e as “fivelitas”... Limas, a prensa, o esmeril, a chaves de boca, os compassos vão entrando em acção. As ferramentas estão bem ordenadas ao longo da oficina e alinhadas as máquinas, movidas por uma só máquina, que faz girar um longo eixo fixo à parede. Ao centro, imponente, a prensa usada para cortar o ferro, uma Rabor adquirida em 1963, na Senhora da Hora.
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“Se tiver a ferragem toda, demora um dia a montar uma balança”, explica José Teixeira. “O negócio tem vindo a declinar um bocado . Antes, faziam-se 20 balanças de dez quilos, por semana, era os dias todos a trabalhar. Agora, às vezes, faço mais, outras vezes faço menos, umas vezes faço cinco, outras vezes faço dez...”
E quem compra as balanças IBÊ, que saem da oficina com um preço a rondar os 60 euros? São essencialmente estabelecimentos tradicionais de artigos para o lar, como a Casa Tamegão, mas também cafés, já que, segundo conta José Teixeira, os cafés são obrigados a ter uma balança, e “em vez de comprarem uma balança qualquer, mais cara, compram esta que é decorativa”. O problema são cintilantes pesos de latão. Antes, qualquer um fabricava, com a tradicional pega de atarraxar, que permitia “aldrabar”, colocando menos ou mais chumbo no interior, conforme se pretendia vender ou comprar. Agora, os pesos são fiscalizados previamente, o que burocraticamente os torna mais caros do que a própria balança.
“Dizem que sou calmo, é difícil manter o equilíbrio, mas eu sou assim”, confessa o fabricante de balanças em terceira geração, mas sem aprendizes. “Para aprender, não há muitos interessados. Temos a máquina para ajudar, mas isto tem muito de manual para encaixar aquelas peças todas e, no final, um trabalho de precisão para ficar tudo certinho”.
Não parece haver muito futuro para estas bem pesadas balanças, mas, quem sabe? Talvez continue bem vivo o impulso que deu o nome IBÊ às balanças, que a lógica diz serem as iniciais de Indústria de Balanças, mas que José Teixeira gosta de lembrar como provindo de uma frase que o seu avô dizia aos clientes para certificar a sua precisão: “A gente manda e o senhor aí bê”.
DPontes (Texto já publicado no JN) . Fotos Leonel Castro
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