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bate na Travessa de Cedofeita. DMota
Pavonear revela muito sobre uma pessoa e diz tudo sobre um pavão e foi bom ver regressar os pavões do Palácio de Cristal à liberdade ociosa que tinham antes de serem preventivamente enclausurados por causa da gripe das aves. Nada mais fazem os bichos do que exercer essa gramática reflexa e de apreciar o reflexo da sua soberba existência nos olhos das pessoas. Pavoneiam-se vagarosamente, dando a prenda do seu leque aberto apenas a quem querem. E querem sempre dá-la a quem não lha pede, a quem não insiste, a quem passa por eles sem reparar na curva harmoniosa de cores vibrantes que os torna um pedaço menos velhacos que as outras aves. Ensinam-nos a estimular-lhes a vaidade para os compadecer da nossa sede de beleza. “Liiindo, ó liiindo”, mas eles nada: pavoneiam-se para quem lhes compraz distrair, para quem caminha pensativo – não há muitas mais maneiras de caminhar pelos jardins do Palácio de Cristal – e não olha para o chão. A esses, desdobram com rapidez e solenidade, num só movimento, o fabuloso arco cheio de olhos azuis. Preferem as crianças, de onde colhem a admiração mais sincera e espalhafatosa. A quem implora, deixam por completar o milímetro que falta para a fotografia perfeita. Há que ir voltando e treinando a indiferença até os pavões decidirem que lhes apetece oferecer um encanto fugaz ao nosso dia. DMota
É mais um recanto conquistado ao vazio. Na rua dos Mártires da Liberdade, artéria já nobre pela presença da mágica livraria Académica, abriu em Novembro mais um espaço dedicado ao culto dos livros. Volumes de ocasião, edições raras, ou mesmo puros objectos de prazer gráfico, há muito para ler. Chama-se “Livros e Coisas”, fica no número 29. DPontes
“Ouve-se um silvo distante, que arrepia a água. Não há dúvida, a noite vai cair. Uma noite antiga, de há cinquenta anos, onde ninguém poderá pressentir a desgrenhada noite dos nossos dias, ruidosa, insegura, desumana. Olhadas assim, com olhos fatigados, as aguarelas de que estivemos a falar escorrem, também elas, melancolia.”
Ontem, passaram-se, quase em silêncio, 100 anos sobre o nascimento de António Cruz. Sobre ele escreveu Bernardo Pinto de Almeida: “De todos os pintores do Porto do século XX, António Cruz foi decerto aquele que melhor soube entender a alma da cidade.” Há intenções de publicar até ao final do ano um livro sobre o autor e anuncia-se uma exposição. Era bom que acontecessem. Para que mais se pudessem rever na luz difusa que emana destas aguarelas. Como o fez Mário Cláudio: “E, à medida que for a locomotiva reduzindo a sua marcha, eis que será tão cinzento o cinzento que dele se não distinguirá o verde das couves, nem o vermelho das dálias, nem o amarelo de um que outro girassol, movido pela trajectória de estrela nenhuma.” DPontes
Poderia ser um daqueles recantos de sossego. Um ponto para respirar mais devagar, para ouvir a água na fonte, sentir a cidade de jardins que se esconde por detrás das fachadas das casas. A fonte de Villa Parda, de1859, restaurada em 1940, fica na rua do Bonjardim, mas dificilmente pode ser esse recanto, encaixotada que está por contentores e muito especialmente por uma desajustada cabine telefónica. De tão moderna é, pelo contraste, absolutamente ridícula. Mas a PT nunca primou pelo bom gosto em mobiliário urbano. DPontes